Sinto-me mais burro

Eu tenho me sentindo mais burro do que um dia já fui. Não sei dizer porque, mas tento entender, e o que você lerá a seguir talvez tenha uma conclusão, ou não. Nunca fui do tipo que responde questões, mas do tipo que faz mais perguntas. Isso talvez seja parte do problema, mas não me limitarei a essa linha de pensamento.

N’outro dia eu estava conversando com um amigo, que também é escritor e em seu próprio mérito um desenvolvedor de jogos – embora nunca tenha jogado nada dele, rá! – e nessa conversa eu disse a ele como eu me sinto mais burro, coisa que cheguei até a mencionar com a médica da cabeça n’outro dia também, mas a gente já chega lá.

Eu disse a ele “sei lá, Mat, eu ando me sentindo meio burro. Mais burro do que já fui. Tipo, antes eu conseguiria conversar contigo e dissertar sobre o absurdismo de Camus, e como isso tem estado mais claro nos dias de hoje, mas se hoje eu tentasse, provavelmente não fosse tão produtivo”. Citei Camus por dois motivos, o primeiro porque é algo que eu tenho tentado reler recentemente, sem muito êxito. O segundo motivo, porque eu já conversei com ele sobre o assunto, numa época que eu tinha emplacado um combo absurdista de ler O Estrangeiro e O Mito de Sísifo, e tudo que eu fazia tinha um dedo de apontar o absurdo nas coisas do dia a dia. Na época eu criei um ‘jogo’ – que não era de fato um jogo, mas não entremos num debate acerca do que constitui um jogo, eu vi isso uns 3 semestres seguidos na faculdade, e cada semestre uma apresentação diferente do que pode ser interpretado como um jogo, esse aposto ficou muito grande aaaaaaaah – chamado “O melhor RPG de Comédia já feito no Ace”, lançado no dia 20 de dezembro de 2012, e ele foi escrever um dissertação – igualmente cômica – de como o jogo era uma metáfora para o mito de sísifo, – quote – Como no mito de Sísifo, somos convidados a rolar a pedra eternamente como maldição pelos jogos de humor que criamos. Mas desistir será a solução? Não. – end quote -. A resenha dele foi um pouco tardia, no começo de 2014. Mas ainda assim, acabei por conversar com ele sobre o assunto e falamos sobre o estado deplorável das comunidades makers e tudo o mais, vocês sabem como é.

Ele então disse “Pô Dias, cê não acha que isso pode ser um reflexo de você não estar praticando tanto debate? ”, e como eu respondi a ele, pode sim. Eu não tenho debatido mais sobre filosofia, e sempre que eu debato eu acabo, 1) ou fazendo meu argumento muito confuso, onde a pessoa não entende, 2) ou eu encho de informações que as vezes são irrelevantes e eu mesmo me perco em meu argumento – MALDITOS APOSTOSSS!!!!!

A médica da cabeça disse que a maldição da minha geração – e das gerações que estão nascendo agora, caso a situação não mude – é que temos um acesso muito grande da informação, mas não conseguimos condensar todas essas informações. E isso deixou o nosso pensamento muito acelerado, milhares de vezes mais acelerado que a das gerações que nos antecederam. Segunda ela, o fato de eu não escrever em quantidades grandes se dá por isso, pois meu pensamento é muito rápido, e a cada palavra que eu digito, eu já tenho as outras 5 pra frente já planejadas na minha cabeça – agora pense nisso como um leitor, onde sua leitura é mais devagar, e o texto já está todo na sua frente, e conforme você lia que meu pensamento está sempre a frente, até mesmo na frase que faz essa afirmação, eu já pensava nesse aposto gigante, que provavelmente nem pode ser considerado um aposto – e que isso dificulta muito as coisas. Meus textos, nos quais eu escrevia com facilidade e nem revisava – BOY OH BOY, a qualidade daqueles textos eram um lixo – por mais que houvessem erros, eles tinham uma certa linha de coerência, que daria para a/o leitor/a entender o que estava escrito, apesar dos apesares.

Eu sinto que na minha escrita hoje existe uma influência da Geração Beat – coisa que eu já carrego desde 2013, aliás, mas – que faz com que eu cuspa meu texto na tela, por meio de meus dedos no teclado. Eu encho de apostos, seja por vírgulas ou separados por travessões (as vezes usando parênteses), mas também há um ritmo corrido, como se eu estivesse fodido da cabeça – não que eu não esteja – e que coloca tudo o que eu quero falar e mais um pouco nas palavras, usando palavras simples, mas com usos que são diferentes do costumeiro. Não sei dizer. É como se eu pegasse as piores partes de big sur, que são corridas e cheias de ideias, onde Jack começa falando de algo, aí entra em um aposto de 40 linhas para falar dos sentimentos dele acerca do assunto, ou até mesmo para elaborar mais o assunto – algo que poderia ser facilmente digerido sem o aposto, não é mesmo leitor/a?

Talvez esse estilo slacker mais caos e confusão discordianos mais neoísmo mais as minhas influências já antigas e as vezes quase esquecidas, mas ainda sim parte das minhas raízes, do punk rock. É como se cada parágrafo eu tentasse manter um ritmo de nazi punks fuck off, com uma prosa requintada e pomposa de Rimbaud ou Oscar Wilde.

Falando em Rimbaud, é um exemplo que eu acabei por usar com o Mat e com a médica da cabeça. Eu li Rimbaud em 2012, eu estava no primeiro ano do ensino médio. Peguei um livro dele de poesias diversas e com Uma Estação no Inferno. Chapa, se na época você me perguntasse, eu provavelmente recitarei uma das poesias e ainda diria minha interpretação acerca do que estava escrito ali. Na terça-feira dessa semana mesmo (02/05/17) eu peguei para reler Uma Estação no Inferno, e enquanto eu estava deitado lendo, passando meus olhos sobre aquele texto, eu só conseguia pensar que RIMBAUD ESTÁ MORTO E ENTERRADO EM ALGUM LUGAR DA FRANÇA, e que isso me deixa(va) desconfortável, porque a prosa e poesia dele são infinitas e continuaram a apoiar nossa classe e nossa luta muito após eu morrer, e até mesmo quando perdemos a batalha final e que toda esperança for perdida para tiranos e capitalistas, a prosa dele vai fazê-los dormir desconfortáveis, pois saberão que isso um dia será a faísca que vai acender o pavio. Mas além disso, a maior das certezas que eu tive enquanto relia, É QUE RIMBAUD É CHATO PRA CARALHO.

Enquanto eu tomava prazer em Rimbaud, em Wilde, e em Baudelaire, esses filhos da puta estão mortos, suas prosas e poesias, por mais lindas e importantes para a nossa classe, são um bagulho chato pra caralho, que só se sustenta na sociedade por 1) acadêmicos que querem bancar o intelectuais – e afirmam ser intelectuais – e querem preservar a ‘boa cultura’, seja lá o que essa porra signifique, 2) pessoas que acabaram de conhecer esses clássicos, e acham que todos tem que conhecer e falar deles o tempo todo, e aqueles que já se esqueceram que releiam, 3) escritores babacas que querem ser OS intelectuais, achando que as obras deles são quase equiparáveis a um deles – been there, done that – mas o que eles não percebem é que imitar os clássicos e falar de albatrozes sendo massacrados por pescadores (ave PETA), ou de gigantes egoístas, ou de abrir asas de outros jovens, não faz deles tão bons quanto os clássicos, fazem deles uns puta duns babacas sem originalidade e chatos pra caralho, onde passado do primeiro verso dá vontade de se cagar por simples se cagar.

Talvez eu não esteja burro, embora eu esteja sim, mas estou apenas cansado. O que fazemos todos os dias, especialmente nos círculos artísticos é querer mostrar que você sabe, que você entende, que você é o mestre da porra toda. Mas qual a relevância de tudo isso? Nenhuma. Baudelaire dizia que o que movia os poetas era o Tédio, mas para onde eu olho, a única coisa que eu vejo mover os poetas é seu Ego, ou sua petulância, ou uma falsa sensação de importância. É impossível ficar em um sarau sem sentir um senso de depressão, e uma vontade de mutilar minha rola e sair cagando pelo chão. Enquanto eu entendo que tudo o que a gente faz é para ser aceito na sociedade (ou comer alguém, como já diziam outros poetas), esse ato de fazer é o mesmo que uma inação, pois a única coisa que rola em saraus pelo Brasil são poesias de como a vida é bela e boa para ser vivida – embora nossa classe sofra pra caralho, especialmente os que estão mais a baixo –, ou como o amor é a coisa mais importante na vida – mais importante que acordar cedo e dar aquela cagada, aparentemente -, ou é alguma ode às trevas, um pseudo monólogo acerca da escuridão e de como a vida moderna é vazia, ou como a tecnologia tem escravizado as pessoas. O segredo secreto – e longe de mim ser o dono de toda a verdade, uma vez que meu ponto é o contrário disso tudo – a vida, a sociedade e o amor é tudo isso, nada disso e um pouco mais! Especialmente a parte sobre a relevância de acordar pela manhã e dar uma cagada.

Uh. Isso saiu de um texto sobre o quão burro eu sou, para uma rant das artes (pós)modernas.

De qualquer forma, eu tenho sentido como se toda informação que eu tento me agarrar, escorre pelas minhas mãos, tão rápido quanto ela entrou. É como dizem por aí, sei mais que meus antepassados, mas retenho menos do que eles. Meu fluxo de informação é maravilhoso, consegui construir uma rede de contatos que eu admiro, e agradeço a elas e eles por fazerem parte desse fluxo. Eu consigo ter acesso a praticamente tudo que me é irrelevante. Tendências artísticas? Eu tou dentro. Algum político de direita/esquerda soltou uma cagada, e falou/fez algo que nos prejudique? É tou sabendo. Aquela festinha louca transcendental de exploração do Eu? Amanhã tou lá. Aquele sarau, onde vão falar de como a vida é bela e boa para ser vivida, como o amor é a coisa mais importante da vida, como a vida moderna é vazia e vivemos na nova era das trevas, e como a tecnologia tem escravizado as pessoas? Podepá irmã/o. Qual a relevância dessa rede e desse fluxo de informação? Aparentemente nenhuma. Qual a utilidade?

Qual a utilidade? É algo que me excita, e que me deixa feliz, mas embora eu saiba mais, eu não mantenho nada. Se estivéssemos falando em termos materiais, é como se eu pudesse experimentar todas as vodkas do mundo, mas não pudesse ficar com nenhuma delas. Não porque me é proibido, ou porque eu não ache nenhuma que eu goste, mas porque eu estou em um coma alcóolico. Eu estou em um coma alcóolico de informação. Eu leio um milhão de artigos sobre políticos, sobre como estamos perdendo nossa luta ao redor do mundo, sobre gadgets úteis, life hacks, sobre humor, sobre como ter experiências transcendentais, sobre como enquadrar e dirigir filmes, mas de que forma eu estou dirigindo minha vida?

I have no mouth, and I must scream.

No outro dia lembrei que a vida, por mais ‘longa’ ou ao menos o que consideramos longa pelo tamanho de tempo no qual estamos acostumados a ser o tempo que nos é nada, ela é apenas isso: momentânea. Nesse exato momento, eu estou com o cronômetro do meu celular ligado, contando o tempo que eu demorei para escrever esse texto, sem interrupções, porque eu não tenho noção de quanto tempo se demora para se escrever um texto. Uma hora e Vinte um minutos, 1976 palavras. São 1h19 da madrugada. E a vida é isso, ela não para, embora eu me sinta estagnado, com meu fluxo de informação sempre em rotação. Eu vou à faculdade todas as noites, as tardes geralmente dedico ou ao estudo ou ao meu fluxo, e eu não tou fazendo nenhum dinheiro com nenhuma dessas atividades, e eu preciso de dinheiro, quem não precisa de dinheiro? A vida não tá fácil, nossa classe a cada dia é destruída aos poucos para favorecerem os patrões, a reforma da previdência, a reforma trabalhista, João Dória dando 80% de desconto nas dívidas das empresas, enquanto corta gastos para programas educacionais e culturais na periferia de São Paulo. Eu nem vivo mais em São Paulo, mas isso me deixa puto pra caralho. E tudo isso, e eu me sinto como um vagabundo, uma sanguessuga que vive explorando o trabalho das pessoas a minha volta, enquanto eu não faço nada além de estudar e observar meu fluxo de informação, e não conseguir me agarrar a nada, a ninguém, e tudo isso me corrói por dentro, porque eu queria fazer mais do que eu faço, mas talvez eu tenha medo de sair lá fora, e eu ainda sim saio, mas nenhuma experiência boa vem, e tudo isso é provavelmente a minha culpa. Eu não estou me esforçando o bastante, e nem as pessoas à minha volta, porque a mobilidade social é algo que existe, você sabia? É, é o que dizem por aí, e eu queria entender isso, e tentar isso, mas não me apetece, e não me é possível no momento. A única coisa que me resta é subir a porra da montanha, e lá encima gritar para o mundo todo ouvir, que por mais que aquilo tudo não importe – pois me ensinaram assim – e que todos vamos morrer um dia, aquilo ainda assim me corrói por dentro. Todos vamos morrer um dia, mas ainda assim, nossas vidas não são irrelevantes, por mais que as cobras niilistas que detêm o poder digam isso para nos desestimular. As ovelhas um dia vão pegar facas e estriparem os lobos, fazendo-os gritar em dor enquanto sangram até a morte. Ao mesmo tempo, nossa vida não é tão valiosa quanto afirmam os donos das cruzes douradas, que nos vendem uma esperança para algo que não é palpável e é incerto, para nos tranquilizar em todo nosso sofrimento nas mãos dos poderosos.

A cada dia, eu sinto que minha liberdade será tomada de mim, usando mentiras das quais eu não tenho responsabilidade, ou sanidade para utilizar minha liberdade. O fim da minha vida é atrás das grades, atrás das grades do hospício, por faltar me inteligência e sanidade. Ou atrás das grades de uma prisão, por matar J. Dólar.

Minha geração é constituída de malditos, que sofrem de problemas mentais derivados de nosso contexto sociopolítico. Dizem que somos uns mimados filhos da puta, mas se esquecem de que não nos criamos sozinhos, fomos criados. Somos fruto do ensino de nossos pais e mães, fruto de uma sociedade doentia, que faz as pessoas trabalharem igual condenados, para que não haja certeza se o amanhã chegará um dia. No fim, a maior de todas as mentiras já contadas, é nossa ordem social. Iremos todos para o inferno, pois somos indignos de perdão.

“Para que tudo ficasse consumado, para que me sentisse menos só, faltava-me desejar que houvesse muito público no dia da minha execução e que os espectadores me recebessem com gritos de ódio”.