Filhos de Lothur

Filhos de Lothur.

O som incessante do relógio – Tic e Tac, Tic e Tac, Tic e Tac – ecoava pelo hall daquele grande prédio empresarial. Algumas pessoas estavam sentadas por ali, lendo jornais e revistas, até mesmo mexendo em seus celulares, ou qualquer coisa que evitasse o mais estranho dos contatos visuais. Tossidas, olhadas no relógio, aquele ambiente hostil e detestável do mundo corporativo. Tic e Tac. Eram Quase três horas da tarde, lá fora o sol escaldava de maneira cruel o concreto, um dia que poderia ser considerado bonito, se estivesse a brilhar em qualquer outro lugar, que não fosse ali. Tic e Tac, e interrompendo o silêncio, se ouve um baque. Na rua jazia um corpo, com a parte de cima do terno, a camisa semiaberta e a gravata solta, o que chamava mais atenção, era o fato do corpo estar sem calça, com a cueca na altura dos joelhos e a rola semiereta. Embora o índice de suicídios no mundo corporativo seja alto, e quase natural, é bem incomum ver um defunto sem calças. Sua cabeça estava totalmente destruída, índice de que havia mergulhado lá de cima. Tic e Tac. A polícia chega ao local, evacua o prédio e impede que qualquer pessoa chegue próximo ao local do crime. Todos estão horrorizados.

Ela sabia o que tinha acabado de fazer, e o ambiente não tinha uma câmera sequer, ninguém mais saberia. O silêncio residia em sua alma. Pegou o elevador e então estava no meio de todas aquelas pessoas assustadas. A polícia havia investigado cada alma miserável presente naquele prédio, mesmo ela e era impossível descobrirem, e nunca chegariam a descobrir. Tic e Tac, fez o relógio pela última vez.

Aquele homem era Alexandro De Lambda, dono da grandiosa multinacional OutCarnage, os maiores produtores e distribuidores de carne do planeta. Aquele tipo de cara ricaço, já na meia idade, ostentando até o cu virar do avesso. O tipo de cara que ganha milhões, enquanto fica deitado na própria cama. Que vai para o escritório, para ficar sentado o dia todo fumando, enquanto lê Ayn Rand. Em outras palavras: O tipo de cara que não faria falta alguma no mundo. Sua morte virou manchete em diversos jornais e revistas, um dia depois ninguém não estava nem aí para ele, até mesmo a polícia. O caso foi fechado como suicídio, e por diversos motivos, o jornal não costuma noticiar esse tipo de incidente.

Ela bateu suavemente à porta, e ouviu alguém perguntar “Qual é a senha?”. E respondeu “É Pau no seu cu, Richard” dando um chute forte, que jogou Richard no chão. Ele caiu na risada, literalmente. Ela o ajudou a levantar e o abraçou forte, com um suave “Como vai Richard?”. Ele retribuiu o abraço de forma igualmente carinhosa, dizendo: “Vou indo, querida Daniela, e aí?”. “Vamos entrando, trago as notícias”. E andaram para o cômodo ao lado, onde estavam sentados outras duas mulheres e outros três homens. Estavam todos envolta de uma fogueira, sentados em latas de tinta, ou qualquer outra coisa que servisse para sentar. Era uma cabana velha, no meio do nada, há cento e tantos quilômetros da cidade. Os carros ficavam embaixo das árvores, escondidos. Mas eles não seriam incomodados por ninguém, não ali. Richard entrou na frente e disse com uma voz escrachada: “Senhoras e senhores, Daniela, a dançarina louca do swing frenético, que toca nesse inferno de cidade”. Todos se levantaram e reverenciaram-na. Daniela, de uma maneira tímida, com um sorriso bobo diz: “Está feito. A Ovelhinha filhote da Ayn Rand está morta”, Eduardo andou em direção a ela, pegou em sua mão e a trouxe para perto do fogo enquanto dizia: “E o meu chefe, lá do jornal, disse que não era mais tocar no assunto, pois o caso foi fechado como Assassinato, sabe aquele lance conservador da mídia e tal? Então, não temos que nos preocupar com nada”. Marcelo soltou um uivo, como se o grande Fenrir tivesse encarnado em si. E todos começaram a uivar, enquanto pulavam envolta da fogueira.

Estavam felizes por terem passado meses planejando tudo, desde o momento em que Daniela se infiltra, até a morte do fundador e CEO da OutCarnage. Ana pegou o violão e começou a tocar algumas músicas junto com Marcelo, enquanto Alessa preparava uns drinks e dava risada junto a Richard e Daniela. Eduardo estava afastado, sentado na janela, fumando e olhando para lua, de forma pensativa. Ana começou a tocar “Because you’re Young”, e Marcelo a acompanhava enquanto batia em umas latas quaisquer, no ritmo da música. You never listen to anyone, because you’re Young. Alessa distribuiu os drinks e ficaram dançando por ali. Eduardo permanecia na janela, mas dessa vez olhava para aqueles loucos, filhos de Lothur e espalhadores do caos. No fim acabaram dormindo todos no chão. Quando acordaram no outro dia, Eduardo fazia café na fogueira. “Rise and shine, rise and shine, meus queridos”, disse com um sorriso na cara. Serviu a todos em canecas grandes, sentaram-se em roda e começaram a debater sobre os próximos planos do grupo, Richard havia sugerido matar o chefe de Eduardo, e a ideia era tentadora, mas ele replicou afirmando que “Ele não fez nada demais ainda, apenas distorce uma ou outra coisa, geralmente irrelevante”. Ana acendeu um cigarro e disse: “O prefeito? Ele tem sido um grande dum filho da puta. Mandando a polícia agredir qualquer um que discorde dele, não duvido que ele tenha uma suástica tatuada ao lado do cu”, “O problema é o Vice. Ele assumirá assim que declararam a morte do prefeito”, replicou Marcelo dando um longo trago no café. Eduardo mencionou dizer algo, mas foi interrompido pela Alessa que disse: “O vice tem proposto a abertura de diversos parques em lugares abandonados, e tenho certeza que ele não tem uma suástica tatuada na bunda. Até me assusta o fato dele fazer parte desse partido”. Eduardo estralou os dedos e disse: “Era isso que eu ia dizer. O vice tem uma pegada mais sustentável, mas ele talvez tenha uma suástica tatuada na rola dele”. O silêncio tomou o lugar, todos tomando longas goladas daquele delicioso café. “Daniela, quer dizer algo?”. Meio embaraçada, retirada de seus pensamentos ela diz: “Talvez… Sei lá, não sei… Tanto faz”, bebeu um gole do café, “Não gosto muito do prefeito mesmo, então pra mim está ok”. Marcelo tossiu. Richard virou-se para todos e perguntou: “Então ‘tá ok pra todo mundo?”. Todos replicaram com um uníssono “ok”. Marcelo correu no carro e pegou um modem e o notebook. Ana tocava de maneira suave a melodia de “Take ‘em All”, Alessa e Eduardo começaram a debater o que eles iriam fazer com o maldito do prefeito. Eles chegaram à conclusão de que era interessante ter uma conversa com o prefeito antes. Algo num estilo terrorista islâmico, e todos concordaram. Daniela foi no porão da cabana e separou dois rifles e algumas pistolas, e Richard ficou separando o Figurino e pensando nas pequenas falhas estéticas, para evitar o rastreamento.

Marcelo gritou “Bingo!”, e todos pararam suas tarefas para ouvir o que ele tinha a dizer. “O prefeito costuma tomar café no mesmo lugar, todos os dias às 16h30”. Richard levantou a mão e disse “As pessoas que frequentam esse lugar costumam se vestir de que maneira?”, Marcelo virou o computador mostrando uma imagem do local “Geralmente usam roupas mais sociais, mas também é cheio de hipsters, então fique tranquilo que você não precisar cortar sua barba, Richard”, ele replicou com um sorriso e um dedo do meio.

Às Quatro horas em ponto o grupo parou uma van em um beco a duas quadras do Café. Marcelo e Alessa ficaram lá, se comunicando por Skype com os outros membros. Ana e Eduardo foram rumo ao café de mãos dadas, conversando e dando beijos, como se fossem um casal. Daniela saiu alguns minutos depois deles e foi sozinha. Richard ficou encostado na esquina, fumando e esperando tudo acontecer.

Daniela viu o prefeito, andou em sua direção e pediu o isqueiro emprestado ao prefeito, então começou a puxar conversa: “O senhor vem sempre aqui, prefeito?”, “Todo o santo dia”, “Ó, mas que agradável, acho que virei mais aqui para ficar na presença de um homem tão imponente quanto o senhor”, “A senhorita tem namorado?”, “Sou viúva, meu marido morreu no final do ano passado, aquele bastardo filho de uma cachorra”, “Perdão”, “Não sinto falta dele, Prefeito, era violento e muitas vezes me batia, hoje tenho uma vida melhor” e abriu um sorriso sedutor. “Vai fazer alguma coisa agora, minha jovem”, “Eu provavelmente irei para casa”. E assim Jorgunmund jogava seu veneno. O prefeito acompanhou a bela Daniela até sua casa, bem, esse era o plano dele, mas levou uma porrada na cabeça e foi arrastado para a traseira da van.

Todos se vestiram de preto e começaram a gravação do vídeo. No vídeo eles torturavam o prefeito e mostraram a todos uma tatuagem peculiar que o prefeito tinha no peito esquerdo: Uma suástica. Eles diziam que um prefeito que compactuava com tal regime não era digno de reger a cidade, muito menos de viver. Batiam nele e o prefeito não chorava, era um quarentão linha dura. Bateram e bateram e bateram nele, até o homem chorar e implorar por sua própria vida. E quando ele pediu clemência, colocaram-no encostado na parede e dispararam. O vídeo foi parar na internet, como uma ameaça a todos fascistas. O corpo de Odimar, descansava em paz no chão. E assim os filhos de Lothur caminhavam para a destruição do mundo sujo e a construção de um mundo melhor.

Dos bloqueios criativos, se extrai a merda

Todo bloqueio criativo acaba da mesma maneira.

Fico umas 3 semanas, ou 1 mês parado.

Olho pra parede, pro chão e pra cadeira.

Com caneta na mão e papel no chão, toda criatividade parece ter se esgotado.

 

Não adianta, não adianta, não adianta.

Pareço uma anta, não deveria nem tentar.

Olhe pra mim, encarando este papel biodegradável, neste mesmo momento.

Em minha mente apenas: “O que diabos fazer?”

 

Na estação lapa-diamante tem um grafite escrito “PELA PⒶZ”.

“Mas quem se importa?”

“Eu me importo, eu me importo, pela paz, pela paz, pela paz em todo mundo”.

 

Bloqueio criativo é de fato um inferno.

Escrevemos de qualquer jeito,

Para dizer que escrevemos.

Um amigo meu escreveu um livro surrealista,

Era o Naked Lunch de um adolescente com bloqueio criativo.

 

A estação Palmeiras-Barra Funda transbordava gente,

E tinha uns trens que iam direto para Itaquera,

Claustrofobia me matava no meio daquela galera.

Suava, suava e suava, e ao meu lado tinha uma crente.

Ela me encarava como se eu fosse filho de Satã.

Sex pistols fervia nas minhas orelhas,

E eu sou um anarquista, anticristo de mente sã.

 

O sol se abaixava na linha do horizonte,

Não há ponto de fuga, estou preso ali.

Toda aquela gente se empurrando violentamente.

O país da educação, eles dizem.

Fui enlatado, já era. Por mágica estava sentado,

Enquanto as pessoas que estavam de pé se gladiavam por um lugar vago.

How cute.

O governo tem essas tendências de aumentar o que está superlotado.

Aumenta a passagem e deixam ônibus e trens se degradarem com o tempo,

Diminuem a maioridade penal, para aumentar a população carcerária.

Presídios privas ganham por cabeça,

Bilhete único mensal vale a pena com a passagem a $3,50.

Não tenho um dólar para pegar o Busão. Isso me deixa triste.

 

Puta merda, saco cheio, nada pra fazer.

Aula de gerenciamento é assim,

Escopo, EAP, PMBOK, PQP.

Quatro horas de falação estúpida.

 

O box do banheiro da faculdade estava trancado por fora.

Alguém tinha sido morto lá dentro, o cara devia se chamar Lacerda.

Decidi abrir a porta, pois devemos viver o momento, o agora.

E quando abri aquela porta, eu entendi: Dos bloqueios criativos, se extrai a merda.