Suíngue Interiorano

Em São Paulo eu tinha a mania de comparar o suíngue-nosso-de-cada-dia-amém como algo saído de uma música do Dead Kennedys, algo que bate na alma, artodoa, e nos deixa de olhos arregalados, pensando que porra que tá acontecendo; mas que ao mesmo tempo há uma melodia, um ritmo de suíngue panque dos 80s, que faz você mexer o braço como um desses galãs descolados, dizendo “é isso aí, é isso aí, podecrer, foda-se tudo, é isso aí, conta comigo”. Muito provavelmente, esse foi o choque de realidade que eu levei, quando me mudei para Barretos; uma cidade como essa não tem nenhum ritmo acelerado, que me deixa alucinado, escrevendo 2 ou 3 poesias numa viagem de 2h de ônibus ao centro de Sampa. Em 1h andando eu atravesso essa cidade.

Esse choque foi difícil de tragar. Aliás, é possível que ainda é difícil de tragar. O ritmo de suíngue panque, dessa cidadezinha do interior paulista, tem menos a ver com dead kennedys, e mais a ver com the clash. Embora o Dead Kennedys incorpore, e muito, a cultura sertaneja americana em suas músicas, o seu ritmo acelerado pouco se assemelha às ruas dessa cidadezinha. O Clash vai em outra mão, talvez até porque o Strummer tenha essa imagem de galã descolado que diz “é isso aí, é isso aí, podecrer, foda-se tudo, é isso aí, tou contigo irmãozinho”; eles incorporam, e deixam em evidência, em suas músicas ritmos latinos, e o ska, algo que condiz muito mais com o clima – ou tamém a maneira como eu percebo, e espero que Barretos seja. A gente está falando de uma cidade onde a elita é parda, japoronga, muçulmano e de um monte de cabloco feio que tenta imitar o sotaque da capital pra parecer chique ou bem educado. A gente tá falando de uma cidade onde as pessoas põem joias e passam perfume para ir comprar pão na esquina. A gente tá falando de uma cidade que tem um grande conglomerado de lojas e comércios gerais no centro.

A cidade vem nesse suíngue leve do panque clashiano, como rudie can’t fail, ou straight to hell; em suas noites mais baladas é possível arriscar um magnificient seven. E por muito, eu passei as tardes e tardes e tardes barretenses, tentando me ritmar e dançar um suíngue louco dead kennedyano à rawhide, o que não cai tanto mal, mas dificilmente encaixa de forma harmoniosa. A sacada é que o barretense tem esse jeito malandro e preguiçoso herdado dos branco europeu, que querem parecer um dandy cheio de pó de arroz na cara, enquanto fazem biquinho pra tomar um vinho enquanto falam “oui oui mademoiselle” parecendo só uma paródia – que é levada a séria, diga-se de passagem – de comte du Sade.

E levando tudo isso, um ritmo louco do suíngue de rawhide, soa como uma demonstração pura de poder e revolta, que rejuvenesce a alma, e parece algo bom, mas acaba sendo só isso: um ritmo louco de suíngue como demonstração pura de poder e revolta para rejuvenescer a alma. Clash encaixa melhor, como uma elevação tântrica sem “ah-ohmm”, num ritmo debochado de suígue panque-ska-latino, que olha pra cara desses barretense e pensa “ah lá o caubói da belle epoque”; só sei que é isso aí.


Ao barretense: vocês são os filhos bastardos da cidade grande, e mesmo assim querem sentar à mesa de papai e serem respeitados pela esposa dele. Você não se reconhece como o bastardo, por isso abaixa a cabeça e fica com esse jeito melancólico, quando questionam sua própria existência. Vocês fazem de tudo para agradar a esposa do seu pai, mas ela nunca vai gostar de você, porque ela olha pra você e vê seu pai traindo ela com outra. Relaxa e goza fi, vocês andam de botinão de caubói de forma não irônica. O presidente de vocês vem aqui e cavalga, porque ele sabe que vocês que vão cavalgar na pica dela, pra tentar ganhar lugar na mesa. Pode deslizar as DM, que eu vou deixar no ‘lido’ pr’ocês.


Paredes

As paredes dessa cidade são neutras. Eu costumava olhar as paredes de Sampa, e pensar nas histórias ali contadas. Pichações, grafites, sangue, mofo, vômito, mijo, coisas simples, que diziam tudo sobre aquele lugar. As paredes da Augusta, cheias de pichações, misturadas a grafites e vômito, mostravam um ambiente onde as pessoas se encontravam para se divertir. Beber, muitas vezes além do necessário, aliás, na maioria das vezes além do necessário. Todos deixavam suas marcas, com salves aqui, ou mesmo seus nomes como pixo seco e puro. Aqueles prédios cinzas do centro da cidade,rasgados pela tinta preta, escritos “Aqui passou seu pai dançando”, ou alguma bobagem assim, sem sentido para aqueles que passam aqui. Talvez nunca foram gravados ali para ter algum sentido, só pra registrar um momento. Gritar entre as paredes frias e úmidas, da cidade de corações frios e olhos úmidos.
As paredes dessa cidade são neutras. Que histórias teria uma cidadezinha no interior do estado teriam pra contar? As suas paredes são limpas, sem grafites, pichações, vômito, mijo ou sangue. A única coisa que ela tem são tintas secas e mofo. O uso abusivo de amarelo e branco, traz um tom mais vivo à essa cidadezinha, suas estruturas da década de 40, 50 ou 60, mostram uma cidade que não parou no tempo, mas queria. Na cara de seus velhos, vemos um certo remorso dos avanços tecnológicos. Carros, carros e carros, muitos carros em suas ruas. Mais carros que pessoas. Seus velhos, que atravessavam a cidade com o pé na terra, ralando a sola de suas botas e botinas.
Ou esse sou apenas eu, carregando uma imagem bucolista do que essa cidade deveria ser, mas não é. Eu voltei, para essa terra na qual nasci, por isso: bucolismo. Eu vivi e cresci no seio gelado da grande São Paulo, onde as pessoas não tem ou desejam bom dia.
Quando vim para essa terra, que não sei se posso dizer que volei, eu olhei para o vasto céu, escuro e cheio de estrelas, e pronunciei para mim mesmo “Óró Sé do Bheatha Bhaile”. Uh-rá, bem-vindo de volta à casa? Bem-vindo de volta à terra dos velhos; bem-vindo de volta à terra das memórias das quais você nunca teve; bem-vindo de volta à terra que nunca se adaptou com o tempo; bem-vindo de volta à terra onde a tecnologia funciona de um jeito estranho, como se não pertence àquele lugar.